VI
Eu tinha trinta anos e havia dois que não cortava o
cabelo numa tentativa de disfarçar o efeito de uma discreta calvície que
aumentava minha testa e raleava meu telhado. Para piorar, vários fios brancos
surgiam por todos os lados, principalmente nas têmporas, e se esticavam por
cinco ou seis dedos de cumprimento, tamanho geral da peruca crespa e castanha
que eu portava. Também cultivava minha barba rala até ela atingir aquele
tamanho que pára de crescer e simplesmente vai perdendo a cor, como uma camisa
desbotada por excesso de lavagem. Ao me mirar no espelho um dia, notei que já
tinha idade suficiente para não me sentir igualmente ridículo quando 15 anos
antes fui à farmácia comprar camisinhas que somente seriam estreadas dois anos
depois, e decidi que iria sair de casa com o intuito de comprar uma tinta pra
pintar meu cabelo sem me sentir vaidoso em excesso ou minimamente metrossexual.
Entrei na farmácia, me desvencilhei de vendedores, achei o produto, escolhi me baseando unicamente no preço, procurei um que servisse, peguei o que desejava e entrei na fila que se encolhia perto das prateleiras cheias das mais diversos coisas; barracas, ferramentas para jardinagem, peças elétricas, fios, máquinas de raspar cabelos, óleo para carros, veneno para ratos, instrumentos musicais em miniatura, animais empalhados de plástico, brinquedos para animais e bebês. Durante a espera, as pessoas da fila curtiam status, enviavam emails, compartilhavam opiniões online, conversavam em chats e faziam ativismo virtual em seus celulares enquanto outros observavam cuidadosamente a estante de ofertas: dois pelo preço de um, divida em dez vezes no cartão, faça o crediário, abra uma conta, faça o seguro do seu carro, compre um seguro de vida, imprima suas fotos em tamanho real, faça uma camiseta. Ninguém precisava de nada daquilo, mas vários deles discretamente catavam algo e aglomeravam com seus outros bens ainda por adquirir. Um ou outro fazia ligações e conversavam animadamente por minutos sobre assuntos insignificantes cheios de primeira pessoa.
Cheguei ao caixa, coloquei o produto na frente do atendente que me olhou a cara e passou a caixa na registradora apitando o preço de R$ 18. Ao que ele disse:
-Só isso, senhor?
-Sim, só isso.
-O senhor não quer levar o kit do barbeador x? Está em promoção e você ganha um estojo, um copo e uma loção pós barba. É ótimo...
-... Você tem esse kit?
-Não, senhor.
-Porquê eu precisaria de comprar isso?
-Todo mundo precisa de barbeador...
-Estou deixando a barba.
-... Crédito ou débito?
-Dinheiro, preciso de dois reais para uma nota de vinte.
Plim, clack, tic, a caixa se abre e uma nota de dois aparece em minhas mãos junto com o recibo da compra e minha caixa dentro de uma sacola de plástico. Novamente o caixa diz:
-O senhor gostaria de doar esses dois reais para a causa X?
-Não, e também não preciso dessa sacola de plástico. Pode jogar o recibo fora pra mim? Tem como você trocar essa nota por quatro moedas de cinqüenta centavos? Obrigado.
Ele escondeu mal uma cara de discórdia, mas nada o impediu de fazer exatamente como eu havia pedido. Fui embora pensando que aquele seria o dia em que eu pintaria meu cabelo pela primeira vez e ainda me sentia incomodado com a repentina importância que descobri que dava à estética.
Entrei na farmácia, me desvencilhei de vendedores, achei o produto, escolhi me baseando unicamente no preço, procurei um que servisse, peguei o que desejava e entrei na fila que se encolhia perto das prateleiras cheias das mais diversos coisas; barracas, ferramentas para jardinagem, peças elétricas, fios, máquinas de raspar cabelos, óleo para carros, veneno para ratos, instrumentos musicais em miniatura, animais empalhados de plástico, brinquedos para animais e bebês. Durante a espera, as pessoas da fila curtiam status, enviavam emails, compartilhavam opiniões online, conversavam em chats e faziam ativismo virtual em seus celulares enquanto outros observavam cuidadosamente a estante de ofertas: dois pelo preço de um, divida em dez vezes no cartão, faça o crediário, abra uma conta, faça o seguro do seu carro, compre um seguro de vida, imprima suas fotos em tamanho real, faça uma camiseta. Ninguém precisava de nada daquilo, mas vários deles discretamente catavam algo e aglomeravam com seus outros bens ainda por adquirir. Um ou outro fazia ligações e conversavam animadamente por minutos sobre assuntos insignificantes cheios de primeira pessoa.
Cheguei ao caixa, coloquei o produto na frente do atendente que me olhou a cara e passou a caixa na registradora apitando o preço de R$ 18. Ao que ele disse:
-Só isso, senhor?
-Sim, só isso.
-O senhor não quer levar o kit do barbeador x? Está em promoção e você ganha um estojo, um copo e uma loção pós barba. É ótimo...
-... Você tem esse kit?
-Não, senhor.
-Porquê eu precisaria de comprar isso?
-Todo mundo precisa de barbeador...
-Estou deixando a barba.
-... Crédito ou débito?
-Dinheiro, preciso de dois reais para uma nota de vinte.
Plim, clack, tic, a caixa se abre e uma nota de dois aparece em minhas mãos junto com o recibo da compra e minha caixa dentro de uma sacola de plástico. Novamente o caixa diz:
-O senhor gostaria de doar esses dois reais para a causa X?
-Não, e também não preciso dessa sacola de plástico. Pode jogar o recibo fora pra mim? Tem como você trocar essa nota por quatro moedas de cinqüenta centavos? Obrigado.
Ele escondeu mal uma cara de discórdia, mas nada o impediu de fazer exatamente como eu havia pedido. Fui embora pensando que aquele seria o dia em que eu pintaria meu cabelo pela primeira vez e ainda me sentia incomodado com a repentina importância que descobri que dava à estética.