9 de mai. de 2009

have a cigar?

A noite clareava sem pressa e o café que esfriava aquecia muito pouco. Estava em pé e fazia ronda continua por todos os centímetros do mesmo metro quadrado com frio e obrigado a filtrar toda a ansiedade do mundo. Parou depois de alguns minutos para começar a dar pequenos tapas com as palmas das mãos pelas pernas até que previsivelmente tateou os bolsos da calça sem que o achasse e de repente levou a mão ao peito e alcançou a carteira de cigarros no bolso da camisa. Ao lançar um para fora, de maneira ensaiada e praticada diariamente, acendeu fazendo cara de que tinha entendido algo ou lembrado onde havia guardado meia garrafa de uísque. Era a quarta vez que tinha parado de fumar e voltara. Sempre se rendia à sensação da primeira tragada e após 4 meses sem fumar, agora estavam ali os cigarros que comprara numa tentativa de moldar primeiridade à força. Fumou e o sentimento da primeira tragada foi indescritivelmente efêmero - para não gastar palavras - e o cigarro era consumido como se fosse o primeiro do dia, sensação estranha para quem não dormia a três noites. Ao lembrar isso, se enganou por um segundo conferindo no relógio se o sol estava se pondo. Essa dúvida momentânea aumentou o gosto de penúltimo que o cigarro já tinha e contribuiu para que ele durasse menos que o desejado. Ao fim, soprou a fumaça azul que abraçou o horizonte enquanto o toco foi jogado com força desnecessária e sem direção. Recomeçou a andar em volta, mantendo suas pálpebras afastadas como se isso exorcizasse os sonhos. Insônia induzida por ansiedade tinha vários efeitos colaterais e dar vazão a impulsos hedonistas sempre foi o pior deles.

5 de fev. de 2009

despedida I




    Ele olhava com o canto dos olhos vermelhos à procura. O bar estava cheio e era grande e delgado. Foi até o fim, passando por todos e avistou a mesa que mais odiava com ela sentada, cercada por homens que não faziam questão de ser do sexo masculino. Após contato visual estabelecido de ambos lados, sorrisos sinceros na distância que culminaram em um abraço que durou mais que o necessário pelo fato de sentir seu corpo comprimido contra o dela. E foi bom. E mesmo em tal mesa, decidiu sentar para uma bebida. Por causa dela. Ela não se deteve em expressar o que sentia, surpresa e admiração claras no tom de voz e nas expressões corporais. Ela era assim. Se levantava para dançar as músicas que gostava. E sabia dançar de maneira sexy. E sabia gostar de músicas ótimas. Ele forçava uma aparência blasé e pediu um chope claro. Com duas ou três palavras versadas de cada lado ele notou que ela estava ligeiramente ébria e se lembrou do telefonema que havia dado para ela 20 minutos antes. A demora para o telefone ser atendido começava a fazer sentido e a disposição das cadeiras confirmava que ela estava acompanhada.
    Mas o agravante foi que o tal era um dos -cromossomicamente falando- homens que maestravam o silêncio instaurado na mesa desde o momento que ele chegou. Não tardou minuto para a mão do outro procurar asilo em seu colo, que se distanciava a cada minuto. E logo foi o beijo. E o que veio depois foi uma constante tentativa da parte dele para não presenciar o amasso que acontecia dentro do mesmo metro quadrado que ele estava. Desviava os olhos mas perifericamente testemunhava e não gostava. “Ela estaria linda se não estivesse em braços de outrem” pensou, aguardando o chope. “Pessoas de passagem não merecem cumprimentos”, pensam os dedos dela se refugiando no cabelo alheio, atordoados pelo cheiro da saliva que compartilhavam em sorrisos etílicos e carinhos de primeira viagem. 
    Ninguém foi apresentado a ninguém. O chope demorou muito para chegar. Ele o tomou quente em 4 goles, se despediu dela e saiu.



11 de jan. de 2009






ele sofria de acracia expressa 
e pela verborréia intercalava 
pensamento profundo 
e sentimento vulgar
- mal disfarçava.

e pressentia a resposta 
olhando fixo e piscando muito, 
buscando detalhes no silêncio 
e escolhendo arrependimentos 
- proibido gesticular.

as pessoas haviam lhe roubaram a solidão,
seu único vício pouco regrado.
mas o óbvio só é visto pelos olhos bem treinados.